A
Alegoria da Caverna de Platão é uma daquelas histórias – ou mitos – que
percorrem milénios a fio sem deixar de fazer as pessoas reflectirem a seu respeito
O
que é difícil perceber é como um escrito do século IV a. C., ainda é bem
visível nos nossos dias e não foi “devorado” ou esquecido pelo tempo.
O
objectivo do diálogo não é narrar o mito tal como foi descrito por Platão -
Isso pode ser encontrado em qualquer livro e até mesmo na internet - mas sim,
pensar sobre o diálogo e tentar trazê-lo para a actualidade, para um mundo onde
se dá mais valor ao ter do que ao ser, em que as imagens valem mais que as
palavras e em que as pessoas parecem estar num sono profundo.
*
A: Já aconteceu
pensares que estejamos vivendo à semelhança dos prisioneiros da caverna que
Platão fala em sua obra, A República?
B: Como assim?
A: Será verdade que em
nossa vida não vemos senão sombras da realidade e que isso nos faz preocupar
com coisas que não nos trazem proveito nenhum? Já pensaste nisso?
B: Não nunca tinha
pensado em trazer a experiência de Platão para a realidade se é isso que queres
dizer.
A: Mas será que é mesmo
a tua realidade ou a sombra dela?
B: A minha realidade
pois, penso que a nossa vida parece ser tão real que é difícil imaginar que não
é aqui que se vive realmente.
A: A vida nesse mundo
parece sim ser real, mas para Platão ela é apenas uma ilusão.
B: Mas é difícil
acreditar.
A: Foi também difícil
para os prisioneiros da caverna acreditarem que estavam vivendo numa ilusão e
que, as sombras que viam na parede não eram a realidade em si. E, quando um
deles foi liberto da ilusão e ignorância que vivia, quis contar aos outros mas
eles pensavam que ele tinha ficado louco.
E se
fossem eles os realmente loucos, ao acreditarem que as sombras eram a
realidade? E se nós hoje, estivermos também cegos e loucos a ponto de não
acreditar naquilo que não existe? E se vivemos de facto num mundo de ilusões e
aparências? E se existe de facto um mundo para onde se dirigem as almas após a
morte? E se esse mundo é de facto melhor que o mundo que estamos vivendo?
A: Penso que se isso
acontecesse, a concepção que temos da vida se tornaria do avesso.
B: Mas, e se ver a vida
dessa maneira for a única forma de passarmos para um mundo melhor? Isso não
valeria a pena?
A: Pode ser que sim mas
é difícil acreditar nisso como disse.
B: O prisioneiro
libertado também não queria acreditar no que via quando foi libertado da
caverna. Antes fugiu para a caverna onde podia ver as sombras que se tinha
familiarizado e, portanto, que considerava ser as coisas reais.
A: Mas isso é
diferente, é apenas uma história.
B: Mas se ela for uma
história real? E se o objectivo de Platão fosse despertar-nos para a realidade?
E se aquilo que temos vindo a dar valor não tivesse valor nenhum? Se o corpo
for realmente o cárcere da nossa alma?
A: Mas a verdade é que
poucas pessoas estão realmente interessadas em pensar dessa forma.
B: Como é que haveriam
de pensar dessa forma se estão vivendo a vida como aqueles prisioneiros que não
queriam se despertar da ignorância?
A: Queres dizer que nós
temos de convencer de que o que vemos são sombras e não as coisas em si?
B: Sim isso que a
alegoria da caverna nos queria dizer.
A: Se isso é verdade,
então qual seria o objectivo da vida?
B: Precisamente a
libertação da ignorância e da ilusão que
vivemos.
A: E como podemos fazer
isso?
B: Dando mais valor a
alma do que ao corpo, e mais a virtude do que as coisas materiais.
A: Mas há pessoas que
nem sequer acreditam na existência da alma.
B: Sim, é verdade e,
para essas pessoas, libertação da ignorância pode demorar mais tempo. Mas há
pessoas que não querem realmente libertarem-se da ilusão. Penso que isso acontece por dois motivos.
A: Quais?
B: Primeiro porque
ainda não ouviram ninguém falar-lhes desses assuntos pelo que os desconhece.
Segundo porque já estão tão acostumados a ver as sombras, a conviver com elas
que não conseguem sequer pensar na existência de algo para além delas.
A: Falas bem mas será
que falas verdade?
B: Podemos viver bem
mas será que vivemos a vida real?
A: Devo dizer que estas
me confundido.
B: Mas não é minha
intenção.
A: Então qual a tua
intenção?
B: Levar-te a pensar
sobre o assunto e, pelos vistos estou conseguindo.
A: Pois estás.
B: Não sei se a
alegoria de Platão conta a verdade. Sei porém que ele nos faz pensar muito a
respeito da nossa vida. Eu pelo menos, quero pensar nela, torná-la meu guia e
ver até onde será capaz de me levar. Se me leva para um porto seguro de águas
calmas ou se para um porto inseguro de águas agitadas.
A: Mas porquê depositar
tanta confiança num relato que nem sequer sabes se é verdade?
B: Para mim faz mais
sentido viver pensado que esse não é o mundo real.
A: Porquê?
B: Penso que num mundo
real, não existem injustiças, vícios nem nenhum outro mal. Quero pois, ver até
que ponto sou capaz de deixar a ilusão para trás e me preparar para uma vida
real.
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